quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A complexa readaptação ao Brasil



Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
(...)

Estas estrofes iniciais da “Canção de Exílio” de Gonçalves Dias, assim com todo o poema original exemplificam o sentimento que se tem pela terra natal. Escrita em Coimbra no ano de 1843, cidade a qual tive a oportunidade de conhecer quando da minha visita a Portugal em novembro de 2011, remete-nos logo ao Brasil por ter dois versos citados no Hino Nacional - Nossos bosques têm mais vida/Nossa vida mais amores

Sim, o céu aparentemente tem mais estrelas e é imensamente mais azul, o verde é mais verde e o sol dá suas caras quase todos os dias, algo bem diferente dos dias cinzentos do norte Europeu. Afora as qualidades climáticas e aos vínculos afetivos e famíliares que fazem dos primeiros dias do retorno ao Brasil uma boa novidade, os dias subsequentes trarão uma inevitável crise de identidade, primeiro pela adaptação cultural ocorrida à cultura estrangeira, e no caso da Holanda este fator é mais profundo ainda, afinal trata-se de um país situado no topo dos melhores rankings de qualidade de vida e renda per capita no mundo, estando anos luz à frente dos baixíssimos índices que ainda mancham a economia brasileira, não importa quanto nosso PIB esteja nas alturas ou sejamos 6ª, 5ª ou até 4ª economia do mundo, ainda continuaremos um país pobre enquanto a desigualdade predominar e nossa infraestrutura permanecer precária em todos os segmentos.

Logo no desembarque no Aeroporto de Guarulhos, por onde chegam ao Brasil mais de 10 milhões de passageiros internacionais por ano (fonte: Infraero, 2010), é possível constatar que neste ritmo não estaremos preparados para eventos internacionais do nível de uma Copa do Mundo ou Jogos Olímpicos. Na verdade embarcar na Schiphol e desembarcar em Guarulhos é um choque de realidade, não apenas pela infraestrutura, mas pela qualificação da mão de obra, um fator visível e gritante aos olhos. A fragilidade do sistema aeroportuário está presente nos aeroportos Brasil afora, uns com maior ou menor grau problemas, mas em geral nenhum está devidamente preparado, porém há uns bem piores que os outros, como no caso do aeroporto de Internacional de Campo Grande, onde tentei me colocar na pele de um visitante estrangeiro, acostumado com as facilidades de transporte público e que não deseja submeter-se aos altos preços dos taxis, tentando encontrar um ônibus ou um simples “transfer” para chegar ao seu destino. Simplesmente não há opções, ou seja, vivemos no país da imobilidade urbana. 

Chocante mesmo é confrontar os preços de produtos que na Holanda custam 3,00€ e no Brasil podem alcançar até R$ 63,00, como no caso de um determinado chocolate belga que eu costumava comprar na loja Action. Mas não fica somente nisto, pois dado o aquecimento da economia local os preços foram às alturas, e isto vai desde os alimentos básicos ao vestuário. Se você está na Holanda neste momento e ainda tem alguma dúvida se compra alguma coisa ou não, não passe vontade, compre! Só para citar uma comparação, comprei na Media Market uma câmera fotográfica profissional por 389,00€ (R$ 975,00), o mesmo produto no Brasil não sai por menos de R$ 2.000,00. No Brasil, infelizmente, por mais que as pessoas estejam com um pouco mais de dinheiro no bolso, o acesso a determinados produtos ainda é restrito em função dos altos preços. A fragilidade dos serviços também é sentida, especialmente em relação à internet. Os 10 megas que pago no Brasil não são nem de perto os 10 megas eu tinha na Holanda, sem falar novamente nos preços, que já começam a se ajustar, mas a disparidade é evidente. 

O aspecto “qualificação” não só preocupa como é desolador, ficando claro o descaso de décadas com a educação em todos os níveis. De quem é a culpa? Nem tentarei responder, a história dirá. O que é preciso se ter em mente é que ainda há tempo para mudar, afinal, conforme recente pesquisa da Revista The Economist nosso sistema educacional evoluiu de “desastroso” para “muito ruim”(triste realidade), ou seja, é grave, mas ainda tem solução. Não faço coro ao pessimista que acreditam que não há soluções e que transformam as vitimas deste péssimo sistema em compulsórios culpados pelas oportunidades que nunca lhes foi dada. 

Na volta ao Brasil você também sentirá falta da comodidade que os trens trazem à vida do cidadão comum. Faço parte da última geração que teve a oportunidade de viajar no verdadeiro “Trem do Pantanal” e que se lembra muito bem do sucateamento e desmantelamento da RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima) e FEPASSA (Ferrovia Paulista SA) nos anos 80 e da privatização no inícios dos anos 90. Desta forma, uma decisão estratégica de caráter político-econômico ocorrido nos quartéis dos anos 70, optando-se pela malha rodoviária em detrimento da malha ferroviária, reflete diretamente na vida dos cidadãos brasileiros na segunda década dos anos 2000. 

A complexidade da adaptação se dá porque de alguma forma nos tornamos holandeses demais para os brasileiros, mas ainda muito brasileiros para os holandeses. Seus pais, parentes, amigos e colegas não entenderão, por mais que você tente explicar, não compreenderão as mudanças que ocorreram, por que você voltou tão crítico ou por que houve mudança em suas percepção sobre muitas coisas, ou sobre o mundo. Prepare-se para efeitos que esta experiência no exterior te trará, não que isto te transformará em uma entidade ultra-superior em relação àqueles que não tiveram a oportunidade que você está tendo, mas certamente você será visto com outros olhos, pois além do incremento em seu Currículo Lattes, haverá um incremento pessoal, algo que está além da educação formal, e o que mudou, ou mudará depende de cada um, trata-se de experiência individual, com respostas diversas, mas em algo há uma convergência, você jamais será o mesmo.

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