domingo, 7 de julho de 2013

A Holanda está livre da crise?

Foto Reuters

Não, não está. Pior ainda, ela não somente está na crise como faz parte dela. O brasileiro na Holanda perguntará, “mas está tudo bem aqui”, “há várias ofertas de emprego”, “nenhum jornal fala disso”, e assim vai. Entretanto, os diques não protegerão a Holanda dos problemas externos e contribuirão ainda mais para ofuscar a dimensão dos problemas domésticos. 

Em recente artigo publicado pelo Der Spiegel, intitulado “Holanda é vítima da crise econômica” (02/04/13), o jornal foi categórico ao afirmar, “Nenhum país da zona do euro está tão profundamente endividado como a Holanda”. Este é um fato, os bancos holandeses registraram 650 bilhões de euros em empréstimos até o fim de 2012. A recente nacionalização do SNS Bank é uma prova de que o governo holandês já está atuando para amenizar os efeitos da crise. Em seu site oficial, próprio governo dos países baixos considerou que a nacionalização “tornou-se necessária porque o SNS se encontrava em sofrimento agudo por conta de seus problemas imobiliários”. 

O The Wall Street Jornal (08/05/13) vai um pouco mais longe e de forma alarmante não exita em dizer que “a austera Holanda irá detonar o Euro”. Alguns dados realmente não podem ser ignorados, como vem fazendo os principais noticiários holandeses. Difícil seria acreditar que De Telegraaf colocasse em sua primeira página que as dívidas dos consumidores na Holanda atingiram 250% do rendimento disponível (mais altas do mundo). 

Muitos brasileiros na Holanda ainda vivem em seu “conto de fadas” ou na “ilha da fantasia” acreditando que “tudo será para sempre, agora tanto faz”, como diria a Cássia Eller. Nossos anos de sofrimento nos períodos hiperinflacionários, nos apertos dos anos 90 e da falta de resolução de problemas estruturais que ainda perduram até hoje, talvez nos ceguem quando desembarcamos em países como a Holanda, onde praticamente tudo está resolvido. Esta negação talvez nos impeça ver os preços dos imóveis estavam altos em determinado momento na Holanda e subitamente começaram a cair. Mas e daí? O que isso impacta no dia-a-dia? 

Os diques financeiros que protegeram a os Países das turbulências do mar da crise global se romperão cedo ou tarde e colocarão o sistema financeiro literamente debaixo d´água. Óbvio que o Governo Holandês sabe disso e já trabalha no sentido de minimizar os impactos, estando preparado, como me confidenciou um colega holandês em uma reunião de um grupo de parlamentares na Frísia em 2011 (comissão parlamentar de agricultura e meio ambiente), a agir drasticamente para salvar a sociedade. Para tanto, há uma lista de prioridades; primeiro, salvar o sistema financeiro, custe o que custar, a todo custo, mesmo que isto custe a saída da zona do euro; segundo, proteger a Casa Real, símbolo da unidade do país; terceiro, a sociedade holandesa em geral, entendidos como holandeses natos ou naturalizados. 

Alguns sinais claros desta movimentação já foram dados, tais como as mudanças na lei imigração ou a aprovação pelo parlamento holandês e de ordem de expulsão de requerentes de asilo (em torno de 26 mil pessoas). Há também um novo Rei, Willem-Alexander, que provavelmente terá mais vigor para encarar possíveis problemas. Mark Rutte também está se esforçando na aprovação e condução de medidas de austeridade. 

É provável que logo as agências de classificação de risco tirem o triplo A holandês (Standard & Poor’s, Fitch, Moody’s), mas isto não significa que o país está insolvente. Longe disso, a proporção do endividamento em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) holandês é de 71,2%, ou seja, em tese a conta é pagável. Na Alemanha este percentual chega a 81,9%, na França no Reino Unido alcança 90%. Já no bloco do “Deus me livre, salve-se quem puder”, encontram-se Portugal, com 123,6%, Irlanda com 117,6%, Itália com 127% e Grécia com 156,9% (Eurostat, 2013). Cadê a Espanha? Está com 84,2% de endividamento em relação PIB, o que prova que não é somente esta relação que entra na conta, há na verdade uma conjunção de variáveis. 

Mas vamos a parte prática. Aquele mundo das mil maravilhas, onde o sujeito comprava um imóvel de 400 mil euros e o banco carinhosamente emprestava mais uns 50 ou 70 mil euros para uma ‘reserva’, não existe mais. O imóvel que o cidadão achava que poderia lucrar com uma possível valorização para venda não chegará nem a 350 mil euros, e o valor tende a cair ainda mais. A lógica parecia simples, bastava guardar a ‘reserva’ e esperar a valorização do imóvel e haveria dinheiro suficiente para saldar os empréstimos e ainda renderia um super lucro. Enquanto tudo mundo tiver seus empregos e salários para pagar a conta, tudo bem, mas e se algo der errado?

O efeito de viver uma vida além do que os próprios meio financeiros permitem é uma tragédia anunciada. Em determinado momento as linhas de crédito se fecham, e neste momento, quando as contas deixam de ser pagas em massa, qualquer sistema entra em colapso. Replicando a fala de Jörg Rocholl, presidente da Escola Europeia de Administração e Tecnologia em Berlim (entrevista ao Der Spielgel), fica fácil compreender a dimensão do problema: "Os consumidores estão endividados demais e não conseguem pagar os juros dos empréstimos. Isso causa problemas aos bancos, que já não estão fornecendo dinheiro suficiente para a economia. Isso causa uma retração econômica e aumento do desemprego, o que dificulta ainda mais o pagamento dos empréstimos”. Bingo!

A extração do gás em Groningen é outro problema a ser resolvido. Descoberta em 1959, estima-se que a reserva até 2012 tenha rendido ao país algo em torno de 250 bilhões de euros, 11,5 bilhões somente em 2012 (segundo El Pais no artigo “Holanda asume el riesgo de seísmos a cambio de extraer gas natural”, 18/02/13). Porém, desde 1986 vem ocorrendo tremores de terra na região, que em geral oscilam entre 3,2 e 4,2 graus de magnitude na escala Richter. Estudos e dados oficiais revelam que os tremores têm potencial para alcançar 5 graus nesta escala. Reduzir a extração, ainda que em baixos níveis (20%), custaria aos cofres holandeses aproximadamente 2,2 bilhões euros por ano.

Com todos estes dados em mãos, o brasileiro na Holanda, que recebeu o melhor do país, também deve preparar-se para possíveis ondas inquietas nos litorais financeiros holandeses. Historicamente pragmáticos, eles sabem que jamais se devem menosprezar as “marolinhas” da vida e agirão com firmeza para defender seu status quo, ainda que sob medidas radicais para defender a estabilidade do país. 

Em um cenário extremo, existe sim a possibilidade de ruptura do euro. Se isto acontecer, e se for a Holanda iniciar a debandada do euro, apertem os cintos, pois o tombo global será feio, especialmente nos países desenvolvidos. O que não justifica é o brasileiro na Holanda continuar em berço esplêndido crente que o sistema é perfeito. Nenhum sistema é perfeito.

Um comentário:

  1. Prezado Marcio seu blog com tudas essas informações resultou de muita utilidade para nos, recém a próxima semana estou indo para Wageningen para fazer um estagio de um ano.

    Muito obrigado pelas dicas de este blog.
    Grande abraço
    Manuel Mendoza.

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