domingo, 14 de agosto de 2011

A mobilidade urbana que sobra na Holanda e falta no Brasil

Segundo o Ministério das Cidades (PlanMob, 2007), a “Mobilidade urbana é um atributo das cidades, relativo ao deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano, utilizando para isto veículos, vias e toda a infraestrutura urbana”. Este é um conceito normativo, que não é meu objetivo discutir aqui, sequer iniciar uma discussão teórica maçante e tampouco produtiva, o que quero mesmo é despertar a reflexão sobre o direito de ir e vir, sobre a liberdade de mover-se nas cidades e entre as cidades sem que isto seja um pesadelo ou um sacrifício. 

A mobilidade urbana deveria ser um direito de todos, homens, mulheres, pessoas com mobilidade reduzida ou algum tipo de deficiência, idosos, crianças, gestantes, todos sem discriminação, tal como prevê a Constituição Federal. Porém, esta não é a realidade brasileira, com cidades criadas sob uma lógica “burra” onde somente alguns privilegiados possuem o passaporte da felicidade para estarem aonde desejam, sempre que quiserem. Mobilidade urbana é poder utilizar um transporte público de qualidade que trafegue sob vias pensadas para desafogar e não afogar o trânsito, é ter várias outras opções além do carro para se chegar a um destino, é poder andar de bicicleta com segurança e caminhar nas calçadas planejadas para evitar tropeços eventuais. 

Infelizmente o Brasil só foi pensado para uma única possibilidade de locomoção, o automóvel. Não interessa mais discutir onde erramos em nossa história, mas sim onde não erraremos mais. Não pretendo fazer uma apologia à perfeição da mobilidade urbana na Holanda, porque esta perfeição não existe, porém quando percorro alguns quilômetros de bicicleta rumo à universidade, mesmo sob chuva ou garoa, pedalando sobre uma ciclovia, percebo que ainda estamos distantes de um país realmente desenvolvido. Muito pensarão que isto é apenas conversa de um estudante maravilhado que vive em uma cidadezinha sem problemas do interior da Holanda, mas digo que não é, quem conhece Amsterdam, com seus quase 800 mil habitantes, ou Berlim (Alemanha), com seus mais de 3,4 milhões de habitantes, reconhece isto. 

Estacionamento de bicicletas do Shopping Hoog Catharijne (Utrecht)
Fonte: arquivo pessoal
Mas o que há de diferente na Holanda? Primeiro que quando eles tiveram dinheiro sobrando em caixa investiram pesado na infraestrutura do país, algo que o Brasil está tendo a oportunidade de fazer agora com a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Segundo, eles acertaram nas escolhas adaptadas a cada tipo de cidade, e por último e terceiro há o aspecto educação, nas escolas e no trânsito. Há acidentes de trânsito? Sim, há, mas são raros os acidentes graves. E sobre os congestionamentos de trânsito? Sim, também há e é um grave problema de Amsterdam, porém a partir de 2012 será cobrada uma taxa de 3 centavos de Euro por quilômetro rodado, chegando a 6,7 centavos em 2017, além do mais todo veículo deverá ter obrigatoriamente um GPS afim de se encontrar as opções alternativas para se chegar a um destino. Veja reportagem http://is.gd/ueEQhE.

Tanta taxação sobre o uso os automóveis requer um bom sistema de transporte público e o da Holanda é exemplar. Em qualquer ponto de ônibus há a indicação do horário de cada linha, com um sistema pensado para a interligação com trens, bondes e metrôs em sincronia, tudo funcionando pontualmente. Ok, sim, há atrasos especialmente nas estações de trens, sem falar em algumas mudanças abruptas de horários no displayers nas estações e pontos, mas nada que tire a comodidade do sistema, que pelo menos avisa sobre eventuais atrasos. O fato é que em geral o horário é cumprido rigorosamente, e nos minutos, se um trem ou ônibus está programado para 17h04 não adianta chegar 17h09, já foi, perdeu. Além de tudo, o transporte é limpo e confortável, e os motoristas de ônibus não apostam corrida ou freiam abruptamente, eles sabem perfeitamente que estão transportando cidadãos, não importando sua classe social. Há também no Brasil bons exemplos de transportes públicos bons, como em Curitiba, mas estes são exceção, não regra. 

Quando você chega na Holanda observa que uma “rua” é composta por duas vias, a rua em si, por onde trafegam os carros, a via para as bicicletas e ciclo motores de baixa velocidade. Esta é lógica, cada um no seu canto, seguindo regras de trânsito, inclusive aplicadas aos ciclistas, que podem ser multados se ultrapassarem o sinal vermelho ou não acenderem as luzes da bike durante a noite (conheço brasileiro que conseguiu ser multado por isto na Holanda). 

Eu e meu meio de transporte na Holanda
Assim, a primeira coisa que deve ser adquirida na Holanda é uma bicicleta, todos tem, todos pedalam, não importa a idade, trata-se de um orgulho nacional, e a oferta de bikes é imensa, para todos os bolsos. Aliás, o ofício do bicicleteiro é bem valorizado e bem pago por aqui, fato que percebi quando levei a minha para uma revisão logo após a compra por uma bagatela de 70 euros (bike usada), recebendo uma conta de 50 euros entre acessórios, trava de segurança e revisão elétrica, do total 15 euros só de serviços. Trava? Sim, nem pense em não ter cadeado ou trava na bicicleta se não já era, e se tiver a bike roubada não adianta nem reclamar. Diz a lenda que certa vez um brasileiro teve sua bike roubada e revoltado dirigiu-se a um policial para perguntar onde ficava a delegacia para fazer um registro de ocorrência, no que teve uma inesperada resposta: “Ah, quando eu era adolescente, eu também roubei uma bicicleta.” Contradições da Holanda. 

Centro de Amsterdam - observe as ciclovias (faixas mais escuras)
Fonte: arquivo pessoal

Para períodos curtos na Holanda aconselho a comprar uma bicicleta usada, em Wageningen, por exemplo, basta ir à praça de alimentação em volta da Igreja às quartas ou sábados que há diversos modelos à venda, mas preste atenção, observe sempre aqueles dois itens importantíssimos, trava de segurança (no freio) e mini faróis dianteiros e traseiros (obrigatórios), no mais é só sair pedalando. Quer uma bike novinha em folha? Sem problemas, tem em todo lugar, mas aconselho a ir em lojas especializadas, lá é possível encontrar desde as mais simples por 200 euros em média até de modelos de 3.000 euros, mas uma boa bicicleta, completíssima, sai entre 700 e 800 euros. Tem um modelo que gosto muito, a bicicleta dobrável, que é vendida também no Brasil, é muito útil pela possibilidade de levá-la para qualquer canto, facilita em muito, por exemplo, em uma viajem de trem; nada mais prático por exemplo do que chegar em Haia, Roterdam ou Amsterdam e já sair pedalando para quaisquer lugares. E vamos largar de frescura minha gente, abandonar este mentalidade de pseudo-riqueza e pedalar, é saudável para a natureza, para o próprio corpo e para o bolso (parte mais importante do corpo para muita gente).

Um comentário:

  1. Olá Márcio!
    Excelente texto, parabéns! Mostra uma visão realista e consciente sobre esta questão.
    Precisamos de mais pensamentos assim no Brasil, mas a corrente é forte e a consciência está se disseminando, falta apenas essa consciência da população se fazer chegar às autoridades, que são seres superiores por aqui.. Surdos, mudos e cegos (mas não para seus umbigos..)
    Ah, gostaria de saber se poderia utilizar frases de teu texto em um evento que estamos organizando em Floripa - com as devidas referências.
    Obrigada!

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